Volto ao mito para concluir.
O mito tenta responder às perguntas – como foi o começo? Como chegámos aqui?
Para responder, tenta uma explicação coerente com o momento evolutivo, com a cultura e com o imaginário comum. As explicações surgem materializadas em imagens ou narrativas.
Estas imagens e narrativas retiram conteúdo de memórias remotas, mas são sujeitas ao pensar/sentir do momento.
“No início não havia terra para se viver; mas lá encima, no grande azul, habitava uma mulher sonhadora.
Uma noite sonhou com uma árvore coberta de rebentos brancos, que iluminava o céu quando as suas flores se abriam, mas que traziam uma horrível escuridão quando elas se voltavam a fechar. O sonho assustou-a, de modo que foi ter com os sábios homens velhos que viviam com ela, na sua aldeia no céu, e contou-lhes.
– Puxem esta árvore mais para cima – implorou-lhes, mas eles não entendiam. Tudo o que faziam era escavar à volta das raízes, tentando arranjar espaço para haver mais luz. Então a árvore caiu no buraco e desapareceu. Depois disso deixou de haver luz, apenas escuridão.
Os homens velhos começaram a ter medo das mulheres e dos seus sonhos. Era dela a culpa de a luz se ter ido para sempre.
Então puxaram-na até ao buraco e empurraram-na. Sentiu-se a cair para o fundo em direção ao grande vazio.
…………..
(Rosa do mundo, 2001 Poemas Para o Futuro, Assírio e Alvim)
Ainda que este texto nos toque, ele é construído a partir das representações dos índios iroqueses no momento da construção do mito. Não consideramos esta explicação como real – ao lermos o texto desmaterializamos o seu sentido, levamo-lo para um nível poético ou de curiosidade.
Não aproximamos esta explicação à que nos é dada pelo texto científico anterior.
Temos medo de cair no sentido real – precipícios, poços – mas também em sentido simbólico – cair no vazio, cair em tentação.
A queda da mulher sonhadora tal como a implosão da estrela gigante vão conduzir ao começo (construção) de alguma coisa.
Se nós cairmos num precipício, morreremos – a nossa queda não conduzirá a uma construção (ou começo).
Às vezes, o medo esconde desejo.