A narrativa com este título já foi referida e transcrita em parte. Transcrevo-a completa – há quem não tenha o livro – com a mesma proposta:
Ler, repetidamente, a narrativa, visualizando o que se está a passar.
“- Tens a liberdade de andar por toda a casa, mas nunca deverás abrir o quarto do sótão, nunca.
– Porquê? – estranhou o rapaz.
– Porque não tem luz.
– E se levar um foco…? – arriscou.
– Todas as luzes se apagam ao entrar naquele quarto – rematou a mãe.
O filho ficou a matutar
(se eu levar dois focos…)
O primeiro foco apagou, o segundo apagou. Um grito que não saía, apertou-lhe a garganta.
Mas resistiu.
Sentia no ar uma presença, uma presença que se agitava no escuro.
Resistia.
Os seus olhos iam-se habituando à escuridão…uma pata negra parecia emergir do soalho.
Fechou com força a porta e desceu, a correr, as escadas – por pouco não caiu.
O dia passou e, à noite, quando apagou a luz, foi tomado por um pavor forte.
Resistiu.
Viu-se no quarto escuro com vários focos, acertou que, quando acendesse o primeiro, olharia para um dos cantos – poderia começar pelo primeiro à sua direita.
No dia seguinte, logo de manhã, correu a executar o seu plano. Um a um, todos os focos se apagaram, mas ficaram vistos os quatro cantos e, em nenhum deles, o rapaz vira algo de inquietante – a presença que o ameaçava só poderia estar no centro do quarto.
Repetiu a experiência do dia anterior e, quando o quarto foco se apagou, ele acendeu, de imediato, o quinto dirigido ao centro.
O terror instalava-se.
Ele resistia.
O chão começava a estalar.
Ele resistia.
E quase gritava, quando uma forma estranha saiu do buraco. Olhou, com ar ameaçador cada canto, depois, vendo a porta aberta, tomou essa direção.
O rapaz tinha-se mexido, atabalhoadamente, para a deixar passar. Ela, porém, cega pela luz que vinha da janela do sótão, foi de encontro às suas pernas…
Ele ficou colado ao chão, a tremer, a criatura recuou e avançou de novo, em fúria.
Quando ele conseguiu respirar
já a forma não tinha forma,
já se libertava pela janela que ficava em cima da sua cabeça.
Siderado, continuava preso ao chão, a meio da porta do quarto, aberta
(o que acontecera?)
Pelas escadas abaixo, preso ao corrimão, interrogava-se
(era um dragão, uma aranha, uma centopeia…ou qualquer outro animal terrível?)
Não sabia responder
(não tem existência, não é material, não pode ameaçar…)
Sossegava
(alguma vez terá existido?)
A mãe subia as escadas para o sótão, quando viu a porta aberta, desequilibrou-se, caiu, bateu com a cabeça em cada uma das escadas – quando chegou à última, já não sentia a cabeça.
Levantou-se, a custo – sentia-se tontinha, tontinha – e desatou a rir.
Ria com vontade.
Ria, ria.
Ria como se não conseguisse parar.
Depois o sentimento de ter cabeça voltou – devagar; mas voltou.
Enquanto isso, ela continuava a rir.