Laura

Na tranquilidade de uma tarde sonolenta, três amigos tomavam uma bebida num terraço frente ao mar.

– Algo perturbador se avizinha…- exclamou Laura

Habituados como estavam aos seus desvarios, o Zé e a Maria continuaram atentos à palhinha e à frescura do líquido.

Um ruído, vindo do chão, começou a sobrepor-se ao som das vozes.

– Que ruído é este? – perguntou Maria.

– São espíritos de outro mundo – respondeu o Zé, brincando.

Ninguém achou graça mas deram conta de que ficavam inquietos.

O sol desapareceu e, no céu, surgiu uma quase abertura, de alto a baixo, num azul mais claro.

– Vamos entrar, disse Laura, a tremer.

A abertura alongou-se e ficou quase transparente.

– Entrar, aonde, rapariga? – perguntou o amigo.

Não ouviu a resposta e ao olhar para o lugar onde ela estava sentada, encontrou-o vazio.

Laura desaparecera.

Procuraram-na por entre os presentes. Em vão.

– E se o terraço desaparecer também? – afligiu-se Maria.

A abertura escureceu e aproximou-se. A rapariga esticou o braço como se quisesse abri-la mais, mas o amigo segurou-a com força:

– Não vais a lado nenhum!

E de mãos dadas, a tremer de alto a baixo, esperaram.

O ruído diminuira, mas eles nem notavam.

– Temos de procurar Laura – disse Maria não reconhecendo o som da sua voz.

– Mas aonde? – perguntou o Zé.

A sua voz soou como se não lhe pertencesse.

A estranheza era o sentimento mais forte.

 O sol voltou – estava, agora, quase ao nível do mar. Eles serenaram.

Depois repararam que o verde do parque redefinia, pouco a pouco, o espaço …

uma criatura, meio sonolenta, movia-se pelos carreiros de pedra.

– Talvez seja Laura, vamos depressa!

Vejamos como se processa o desenvolvimento desta narrativa:

o primeiro momento corresponde a uma situação real,

no segundo, ocorre uma crise fantástica,

o real regressa no terceiro.

Se considerarmos a forma como ocorre a aparição de imagens – e sentimentos – resultantes da atualização de uma memória remota notaremos uma forte semelhança.

Porém, a memória remota (a crise neste caso) não é remetida para um nível de ficção – ela é sentida com algum grau de realidade – por isso, poderá levar-nos a uma resposta no real.

É um devir que se assemelha ao aparecimento de uma memória remota.