Preciso de uma mudança – precisamos todos.
Alguém me pediu, há tempos, que o ensinasse a escrever uma história. Eu não sei ensinar, poderei ajudar a aprender.
Para começar, deixo uma narrativa – uma narrativa desenvolve-se no tempo-espaço. Nesta, o espaço ganha mais importância que o tempo, daí que, às vezes, seja sentida como uma descrição.
A cozinha da quinta
era grande como já não se via. Ele ficou à entrada a olhar cada canto, a assistir à aparição de cada objeto …
depois, o seu olhar fatigado desviou-se para a janela que abria sobre o terraço. Encaminhou-se para lá e reencontrou a velha cadeira de verga com uma almofada nova, às flores.
O terraço continuava a ser um espaço aberto sobre a quinta – orientava o olhar para as montanhas, lá longe, onde o céu azul ficava ao alcance da mão.
Sentou-se.
Não escolhera voltar, tinha sido obrigado. Na grande cidade deixara de haver esperança para a sua doença.
Ali, naquele terraço, também não haveria; mas teria a paz da natureza ainda reconciliada com a sua origem.
Enquanto continuava a olhar, já sem ver, porque a preocupação surgira, a velha ama entrou:
– Quer que lhe traga um cavalete?
– Está ainda tudo encaixotado e eu não tenho pressa.
Ela saiu, arrastando a perna, voltou, passados minutos, com um cavalete de outros tempos que ficara guardado num anexo.
– Deverias ter pedido a alguém que o trouxesse, tu já não podes – disse, levantando-se para a ajudar.
-Tanto posso que está aí – respondeu a mulher que continuava a lutar contra a idade.
A custo, recordou a face pálida da mãe que morrera cedo, olhou a ama e encontrou um rosto que não era de uma nem de outra.
Inquietou-se, depois serenou
(foi ela que continuou a viver – porque não poderá ser minha mãe?)
Sem saber porquê a memória trouxe-lhe o quadro de Delacroix “A liberdade guiando o povo” – os seios da mulher ficaram diante dos seus olhos.
A ama saíra sem fazer ruído.
Desligando-se da imagem, alongou a vista para a linha do horizonte, puxou-a até ao terraço, até si. E, por momentos, foi um ser leve e azul por entre fragmentos de nuvens esbranquiçadas – longe de terraços e oliveiras e montes, longe de doenças e de morte.
“A liberdade guiando o povo” tinha-se desvanecido – o rosto da velha ama também.
Ele ficou sozinho consigo.
Quieto e sozinho
E um doce sentimento de esperança acordou dentro de si.