Eu abandonara uma análise que começara havia cinco anos e que deveria dar acesso a formação. Não me sentia bem e esse sentimento arrastava-se havia já algum tempo. A desistência da formação deixara-me um vazio significativo. Um dia, um pouco por acaso, comecei a fazer exercícios de respiração rítmica. Sentia-me mais calma e continuei. Este processo tornou claro que, pontualmente, eu estava a receber imagens que só poderiam corresponder a memórias remotas.
A meio de uma tarde, não especialmente difícil, deitei-me no sofá, tentei descontrair e, mentalmente, surgiu-me a imagem de uma terra avermelhada, onde cresciam catos. Senti-a tremer sob o efeito de um sismo. Vi fendas a abrirem e vi lagartos, muitos lagartos, a correr, desesperados, à procura de um abrigo.
Surgem assim ( pelo menos comigo) as memórias remotas. São intensas, têm a duração de um flash. Desaparecem como apareceram.
Esta foi a primeira vez que eu identifiquei uma imagem como correspondendo a uma memória remota. Ela é tema de uma pequena narrativa em “Entre ontem e amanhã”
Poucos dias depois, reencontrei, descrita, uma outra que eu não havia identificado como remota no momento em que surgiu.
“A dado momento, sentiu-se oscilar entre um fluxo e um refluxo negros. Depois, um espaço côncavo, também negro, mas menos escuro, cresceu a toda a volta…
Se tivesse tido tempo, ter-se-ia assustado. Mas aquela ondulação de negros e cinzentos havia tomado conta de si, do seu sentimento de existência. Trouxera-lhe uma tranquilidade sem precedentes e a sensação de estar fora do tempo, num espaço que era tudo, incluindo ela. E esse espaço era um côncavo imenso preenchido por movimentos negros que se animavam de forma rítmica.”
Nota: estas imagens, visualizadas demoradamente, podem deprimir.
Também houve imagens agradáveis – um lémur de olhos enormes, plantado numa árvore, ficou na minha memória como se tivesse sido real.
Por vezes, surgiam árvores de um verde intenso ou ribeiros transparentes com leitos de pedras cinzentas, arredondadas.