A beleza é um conceito subjetivo,

(A sagrada família -Rafael – pesquisa google)
mas a necessidade de beleza parece ser de todos.
– A casa está em risco, José! Ao menor sobressalto, terás tudo, aqui, em baixo – considerou Daniel, o construtor.
De nariz no ar, olhava num sentido e noutro:
– Quer leias os sinais da direita para a esquerda ou em sentido contrário, o aviso é o mesmo – reforço urgente!
O rapaz ficou em silêncio. Já tinha recebido outros avisos; mas respondera com uma certeza comprometida:
– Ainda vai durar muito tempo!
Mas, agora, perante a opinião avisada do amigo, não se atreveu a acrescentar nada.
Às vezes, durante a noite, José acordava ao som de uma gargalhada malévola que se prolongava, depois parava, depois recomeçava. Não sabia de onde vinha, mas receava que estivesse a levar-lhe a casa.
Levantava-se, em sobressalto, a suar… sem saber o que faria.
E não fazia nada.
José vivia sozinho numa casa que o avô construíra, à entrada da pequena propriedade da família.
A construção era frágil e já sofrera o embate de muitos temporais, já amontoara verões escaldantes e invernos rigorosos e nunca fora reforçada. E, no que respeita a manutenção, pouco recebera.
Ele já tinha metido massa nas frestas que haviam surgido no alto do muro virado a norte, havia substituído as telhas que deixavam entrar água; mas um telhado novo, há muito exigido para reparar o cansaço dos anos, nunca fora posto.
Numa noite, na passagem do verão para o outono, ele ouviu o som da gargalhada, mais malévola, mais ameaçadora.
Ficou vigilante, mas no dia seguinte, voltou ao trabalho e, mais uma vez, adiou.
Era certo que não tinha dinheiro – as colheitas eram fracas – que teria de fazer um empréstimo. Que precisava de ajuda.
Um dia, em que fora à cidade e procurava preços, escolhia materiais e pedia orçamentos, passou em frente da montra de uma agência de viagens. Parou e consultou os folhetos.
Quando analisava os pormenores de uma ida ao Brasil, onde tinha amigos, ouviu, ao longe, a gargalhada malévola subitamente aumentada.
A tremer, entregou o folheto.
Alcançou a velha carrinha e acelerou. A meio do caminho, a certeza do que tinha acontecido trouxe-lhe calma. Reduziu a velocidade e continuou devagar.
Ainda estava longe, mas já avistava o monte de destroços a que a casa ficara reduzida.
Abrandou, respirou fundo, recordou o amigo Manuel que tinha emigrado e, depois, atreveu-se a considerar, em pormenor, a dimensão da sua tragédia.
Olhou uma a uma, as casas mais próximas à procura de ajuda. Os seus olhos encontraram a colina, ao longe. O castelo – ou o que sobrava dele – escondia o que restava de sol.
Ficou parado a absorver aquela beleza em que nunca reparara. Depois, porque a noite se aproximava, entrou na parte direita da casa onde ficava a cozinha.
A mesa, ao centro, estava debaixo de uma camada espessa de entulho, mas parecia estar inteira. A lareira esperava.
Acendeu o lume, sentou – se no que restava de um banco e deixou-se ficar.
O cansaço deixara-lhe as pernas moles, a inquietação cansara-lhe os gestos – encostou-se ao canto do banco e adormeceu.
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Aceitou carregar camiões na fábrica mais próxima enquanto não decidisse melhor. Por lá foi ficando.
O inverno já saía, pressionado pelas flores amarelas que apareciam por todo o lado, pelo verde que cobria os campos, quando José decidiu refazer a casa.
Talvez fosse melhor deitar abaixo o que resta – pensou – mas …
Daniel, o construtor, chegou – deu pancadinhas no que restava dos muros, encostou o ouvido como se quisesse adivinhar uma música de redenção, fez medições em palmos, em passadas, deu voltas e mais voltas.
José esperava.
– Segurança, funcionalidade e beleza. Qual valorizamos?- perguntou, Daniel.
A resposta demorava, como se José não soubesse, como se ainda considerasse.
– Não sei bem – gaguejou.
Daniel aconselhou tempo de reflexão.
O rapaz olhou a planície extensa, os campos já verdes, o castelo a querer reaparecer no tempo e, um desejo de beleza, intenso e imprevisível, tomou conta dele.
Apalermado – porque sempre fora prático – respondeu:
– Quero beleza.
Olhou para si, para as suas mãos calejadas, para as roupas sujas… (só posso estar louco)
– Quero beleza – repetiu.