O quarto escuro.2

A narrativa com este título já foi referida e transcrita em parte. Transcrevo-a completa – há quem não tenha o livro – com a mesma proposta:

Ler, repetidamente, a narrativa, visualizando o que se está a passar.

“- Tens a liberdade de andar por toda a casa, mas nunca deverás abrir o quarto do sótão, nunca.

– Porquê? – estranhou o rapaz.

– Porque não tem luz.

– E se levar um foco…? – arriscou.

– Todas as luzes se apagam ao entrar naquele quarto – rematou a mãe.

O filho ficou a matutar

 (se eu levar dois focos…)

O primeiro foco apagou, o segundo apagou. Um grito que não saía, apertou-lhe a garganta.

Mas resistiu.

Sentia no ar uma presença, uma presença que se agitava no escuro.

Resistia.

Os seus olhos iam-se habituando à escuridão…uma pata negra parecia emergir do soalho.

Fechou com força a porta e desceu, a correr, as escadas – por pouco não caiu.

O dia passou e, à noite, quando apagou a luz, foi tomado por um pavor forte.

Resistiu.

Viu-se no quarto escuro com vários focos, acertou que, quando acendesse o primeiro, olharia para um dos cantos – poderia começar pelo primeiro à sua direita.

No dia seguinte, logo de manhã, correu a executar o seu plano. Um a um, todos os focos se apagaram, mas ficaram vistos os quatro cantos e, em nenhum deles, o rapaz vira algo de inquietante – a presença que o ameaçava só poderia estar no centro do quarto.

Repetiu a experiência do dia anterior e, quando o quarto foco se apagou, ele acendeu, de imediato, o quinto dirigido ao centro.

O terror instalava-se.

Ele resistia.

O chão começava a estalar.

Ele resistia.

E quase gritava, quando uma forma estranha saiu do buraco. Olhou, com ar ameaçador cada canto, depois, vendo a porta aberta, tomou essa direção.

O rapaz tinha-se mexido, atabalhoadamente, para a deixar passar. Ela, porém, cega pela luz que vinha da janela do sótão, foi de encontro às suas pernas…

Ele ficou colado ao chão, a tremer, a criatura recuou e avançou de novo, em fúria.

Quando ele conseguiu respirar

 já a forma não tinha forma,

já se libertava pela janela que ficava em cima da sua cabeça.

Siderado, continuava preso ao chão, a meio da porta do quarto, aberta

(o que acontecera?)

 Pelas escadas abaixo, preso ao corrimão, interrogava-se

(era um dragão, uma aranha, uma centopeia…ou qualquer outro animal terrível?)

Não sabia responder

(não tem existência, não é material, não pode ameaçar…)

Sossegava

(alguma vez terá existido?)

 A mãe subia as escadas para o sótão, quando viu a porta aberta, desequilibrou-se, caiu, bateu com a cabeça em cada uma das escadas – quando chegou à última, já não sentia a cabeça.

 Levantou-se, a custo – sentia-se tontinha, tontinha – e desatou a rir.

Ria com vontade.

Ria, ria.

Ria como se não conseguisse parar.

Depois o sentimento de ter cabeça voltou – devagar; mas voltou.

Enquanto isso, ela continuava a rir.