Volto ao poder evocativo da palavra, das narrativas (descrições) escritas e orais.
Refiro o poder de libertação que a palavra tem – não só a palavra mas também o som (em si).
“Quando abriu os olhos, o branco do hospital cegou-o. As pessoas, em redor da sua cama, tinham uma existência duvidosa. Elevavam-se e desciam como se a gravidade tivesse deixado de existir.
Quis gritar, confirmar se tinha vida; mas a sua garganta não soltou nenhum som.
………………………………
Quando chegou ao terraço, no alto do edifício, olhou em volta e preparou-se para gritar. Abriu completamente a boca, soltou a garganta e concentrou-se no som que iria ser o seu grito.
Seria tão forte que nem pareceria humano.
Ensaiou uma vez, repetiu…
Mas da sua garganta saiu um som melódico, a que se juntou outro e outro. O seu grito era uma melodia poderosa; mas serena, uma melodia forte; mas modelada. E a melodia, a sua melodia, ficou a pairar, desceu à rua, apagou todos os ruídos e encantou quem a ouviu.
………………………………….
aquele som acariciava os seus ouvidos, adoçava a sua garganta e trazia-lhe o sentimento de ser profundamente humano.
Acordava dentro de si um canto antigo que o levava às noites de Natal da sua infância.
Trazia-lhe de volta as faces da mãe, do pai – de toda a família – trazia-lhe o sentimento de estar vivo.”
(de: Entre ontem e amanhã)
Sublinho o poder de sarar, mas também de ferir, das palavras – de construir ou destruir.
“As palavras que usamos para descrever como nos sentimos, têm em si mesmas, a capacidade de influenciar o nosso estado anímico, de se tornar profecias auto realizadas. Vale a pena tratar de as usar com precisão, reparando nos seus matizes. Pode acontecer que, em vez de se sentir “horrível”, tenha apenas sono ou fome”.
(de: “O poder das palavras” já citado)