No começo não era a palavra; mas a palavra foi um começo – o de uma nova forma de existência.
“As palavras levavam-no ao som, o som conduzia-o ao início. As palavras eram sons com ordem.
As primeiras palavras – pensou – porque terão surgido? A que necessidade corresponderiam?
Um sentimento de solidão intensa, quase insuportável, invadiu-o.
Seria essa a resposta? Um homem – ou outro ser – terá começado a utilizar sons para sair da sua solidão?
Lembrou-se do quadro “o grito” de Munch. A sua solidão crescia, densa, forte, quase material.
Ele era um homem muito primitivo, a caminhar, apoiado num ramo de árvore, por um caminho solitário, a percorrer um bosque denso.
Quase chorava tal era a sua solidão.
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A secretária vibrou – o telefone tocava.
Controlando o seu estremecimento, atendeu. Uma voz doce e paciente falou.
– Estamos a ficar atrasados para a tua consulta.
(de: Entre ontem e amanhã)
A palavra é uma sequência de sons com sentido – o som (materialidade) ganha um sentido (imaterialidade).
Com a palavra o mundo pode ser nomeado, cada pessoa, cada animal, cada coisa, pode ser nomeado(a). Ao ser nomeado(a) ganha existência – uma nova forma de existência.
A palavra pode trazer para “o aqui e agora” aquilo que está ausente (fora de vista). Pode dar-lhe uma existência (imaterial).
É este o milagre do nomear, referir, evocar.
É, ainda, o milagre do contar (narrar ou descrever).
A existência daquilo que é contado não é a mesma daquilo que não foi contado.
“Nada efetivamente aconteceu até ser contado.” (Virgínia Wolf)