Arrumar

Arrumar

Quando uma memória que reconhecemos como passada nos confunde, nos perturba e nos pressiona a agir (normalmente da pior forma) teremos, antes de mais, de a arrumar. Inseri-la no contexto próprio – história da terra, história nossa … – seria o mais certo até porque o seu significado se alteraria. Mas o contexto é muitas vezes difícil de identificar.

Vamos, então, considerar dois parâmetros largos de arrumação: presente e passado.

Criamos, mentalmente, duas caixas – uma será designada “presente” outra “passado”.

Relembremos uma memória já referida, atrás:

“A dado momento, sentiu-se a oscilar entre um fluxo e refluxo negros. Depois, um espaço côncavo, também negro e menos escuro, cresceu a toda a volta. E como cresceu – fez-se infinito e negro.

Se tivesse tido tempo, ter-se-ia assustado. mas aquela ondulação de negros e cinzentos escuros havia tomado conta de si – do sentimento da sua existência. Trouxera-lhe uma tranquilidade sem precedentes e a sensação de estar fora do tempo, num espaço que dominava tudo, incluindo ela. E esse espaço era um côncavo imenso, preenchido por movimentos negros que se seguiam de forma rítmica.

Depois, quando o negro se esvaiu e o cinzento se apropriou do espaço, todo o movimento se aquietou.”

Esta memória é, manifestamente, passado.

Então, vamos arrumá-la na caixa passado.

Esta é uma primeira arrumação, com a ajuda da linguagem, com a capacidade que ela nos oferece para caraterizar e nomear, encontraremos outras formas mais precisas.

Mas, ainda nesta fase, poderemos criar mais duas caixas que designaremos por caixa eu e caixa não eu.

O processo será o mesmo ainda que automatizaremos primeiro um critério (passado/presente)e só depois passaremos ao segundo (eu/não eu).

Ainda que não possamos contar quantas memórias estão em cada caixa, ou quantas vezes uma memória persistente apareceu, poderemos, no final de um algum tempo, ter a noção se o passado nos ocupa mais que o presente – é importante fazer esse balanço.

Se houver sobrecarga de memórias passadas, estaremos a viver o presente de forma muito incompleta e manteremos o futuro a uma grande distância.

Poderemos fazer uma análise semelhante em relação às caixas eu/não eu.