memórias

Como já referi, a escrita de “Entre ontem e amanhã” foi muito difícil – desde logo pelos conteúdos depressivos e pouco definidos, depois porque as memórias remotas constituem episódios. Sendo episódios é difícil inseri-las num tempo narrativo. Sendo pouco claras é difícil criar-lhes uma significação ou estabelecer uma relação de sentido entre elas. É necessário recorrer à intuição, às vezes à imaginação. Tenta-se encontrar ressonância na arte, na literatura, na divulgação científica, nos mitos e até no dia a dia; mas nem sempre se consegue ou a que se encontra não tranquiliza – pode até desviar do sentido. Pertencendo a contextos diferentes do nosso, é necessário prever alterações.

O livro começa por um pequeno texto em jeito de introdução. A imagem da casca da laranja retirada, inteira, sugere uma espiral. Essa imagem, associada ao movimento que lhe é próprio, vai encontrar eco, no final do livro, em “uma agulha uniu dois mundos com um fio de luz”. A voz que, aparentemente, não corresponde à presença de ninguém, anuncia a meia existência de Júlia.

A ordem que os diferentes textos – narrativas, descrições, diálogos – seguem, é orientada por alguma preocupação de tempo, mas tem, sobretudo, em vista expressar o conteúdo da melhor forma.

Retirei pequenos textos, um ou outro fragmento por receio de divagar. Poderei, se considerar oportuno, transcrever alguns, aqui, em devido tempo.

O movimento é organizador. Da matéria, da luz. O que aparece em primeiro lugar (no tempo da minha memória) é o ondulatório. Aparece de forma insistente a relacionar-se com energia mas também com a matéria – às vezes parece ser um molde pronto a receber conteúdo.

Ao mesmo tempo que organiza, o movimento aprisiona. Por um lado, alivia sentir que a matéria é contida, que não ameaça submergir e que poderá, até, dar início a uma evolução (criação); por outro, sente-se fechamento – a matéria é forçada a um caminho – só um acidente poderá alterar o que ficou estabelecido. Só a destruição.

A ideia de acidente está muito presente em contexto de começo. Várias vezes pensei que o começo resultou de um acidente.

Várias vezes relacionei este sentimento (de acidente) com culpa – a nossa culpa que não é nossa.

Em “Entre ontem e amanhã” é feita de forma não explícita, uma proposta para se jogar com o movimento ondulatório. Reforço a proposta.